Alterofobia: O Medo do Outro

by Augusto Cuginotti

Capítulo I – Ansidedade ao Desconhecido

O que pode ser mais aterrorizando do que aquilo que nem ainda conhecemos? Como nossa imaginação pode ir muito além das nossas experiências de hoje para imaginar um futuro negativo?

Estava em um treinamento certa vez em um momento em que mudava de país para morar em um lugar desconhecido e por tempo indeterminado. Falei da minha ansiedade no grupo e a facilitadora, muito experiente, trouxe a definição dela do que significava estar ansioso. Ansiedade, segundo ela, era fazer uma previsão negativa de futuro.

Por que eu projetava um futuro negativo nesta minha mudança?

Certamente eu poderia encontrar muitas razões para que a mudança não desse certo, mas procurando bem, acharia também razões para que funcionasse e fosse uma ótima experiência. Aliás a própria experiência já dizia que mudança de cultura significava muitas dificuldades, mas também muitos aprendizados e descobertas.

Sabendo disso, por que projetar um futuro negativo?

Fiquei imaginando que o que nos faz ansiosos tem mais a ver com o que não conhecemos. Não saber nos deixa (me deixa) apreensivo e com medo. Existe algo de não estar no controle, não saber do que vai acontecer, que traz à tona essas emoções.

E mesmo tendo decorado o mote central dos tantos livros de auto-ajuda de que controlar o que ocorre hoje e o que pode ocorrer amanhã não está mesmo ao nosso alcance, será que se lida com isso?

Capítulo II – A Necessidade de Controle

Por que o ser humano tem a necessidade de estar no controle, de gerar previsibilidade e de criar propósito futuro?

Acredito que essa necessidade de controle tem pouco ou nada a ver com a nossa personalidade ou “nível de consciência”. Acredito que esteja muito mais relacionado com como somos como seres humanos.

E somos como seres humanos em dois domínios: como é nossa natureza biológica e como é nossa natureza social. Apesar da primeira cada vez mais ter nos informado de como funcionamos (com tópicos da moda como neuropsicologia, por exemplo), sem uma boa exploração de como somos como seres sociais nos deixa a meio caminho das possibilidades.

Complexidade Social e Relacional

Somos seres relacionais e nos baseamos na linguagem para estruturarmos nosso relacionar coletivo. Trazemos nossa aprendizagem, incluindo sobre as complexidades biológicas, para o domínio da linguagem.

É com a linguagem e através dela que atribuirmos sentido ao mundo e as experiência vividas. E quase nunca essas experiências são previsíveis, é raro podermos saber de antemão o que se desdobra delas.

Sabe aquela sensação de não saber como o outro vai reagir ao se encontrarem pela primeira vez? Ou como um grupo, uma instituição ou o seu familiar irá responder à situação de “anormalidade?

Como lidamos com a constante complexidade no mundo social e relacional?

Mal, acho eu. No mínimo passamos por ansiedades e frios na barriga, típico de gente que não só pensa, mas que sente.

Há, claro, estratégias. Uma forma de lidar com este oceano complexo é através de reduzirmos, individual e coletivamente, nossas possibilidades: criamos combinados, rotinas, hábitos e instituições, para dar conta de um mundo em que tudo muda de forma imprevisível.

São essas criações que simplificam o mundo, geram alguma previsibilidade, e acalmam o nosso operar social.

Podemos reduzir o inesperado utilizando alguns combinados e convenções e logo estamos falando do tempo, do trânsito, da política ou de qualquer outro assunto que tenha em comum o fato de julgarmos ter pouca agência sobre ele.

Um alívio: podemos relaxar das complexidades do mundo por um tempo. Mas, por quanto tempo?

Capítulo III – Ser Diferente e Lidar com o Diferente

Imagine ser diferente em um mundo de iguais? Imagine estar acostumado a “Aqui” e não saber o que te espera “Lá”?

Como seria ter barba em um mundo de imberbes? Como um mundo que não sabe o que é “barba” vai lidar com esse desconhecido? Como você, o barbudo, lidaria?1

Como lida com o desconhecido a pessoa que não tem no seu radar aquela possibilidade? E se essa nova possibilidade abre uma caixa de complexidades difícil de processar?

Reações frente a este complexo é o que se vê de forma constante na sociedade de hoje em nome do diferente, das minorias, do outro time. Como eu lido com cor, crença, ideologia e orientação sexual diferente? Como eu lido com aquele que processa o mundo de forma diferente – em cultura, em forma de lidar com o outro?

Estratégias de Defesa

São as generalizações, os encaixotamentos em pré-conceitos, a repulsa e a fuga o que escuto como estratégias automáticas para nos defendermos do desafio que é estar em contato com o diferente.

O diferente incomoda.

Falamos da impossibilidade de lidar com a complexidade do mundo. Para darmos conta, julgamos e pre-julgamos muitas vezes de forma a aproximar o que não entendemos de algo mais simples ou de algo já conhecido que faz parte da nossa realidade atual.

Funcionamos assim. O problema é que as vezes essas aproximações não dão conta da realidade. E nesses casos já não podemos mais operar em cima de julgamentos prévios e o que nos chega é uma enxurrada: confusão, raiva, frustração.

Será essa enxurrada algo que podemos evitar?

Será o medo do outro o nosso mecanismo de defesa natural?

Se não podemos evitar, o que fazer? O que poderia nos preparar para este momento?

Estratégias para viver com o diferente

Aceitar que temos a tendência a simplificar e que talvez o diferente nos coloque em estado de alerta pode, por um lado, nos tirar um peso: aceitamos que reduzimos o mundo sem culpa e que as vezes podemos julgar o diferente como ameaça de forma automática.

Se isso é ser humano, somos humanos.

Mas ser humano não justifica agirmos de forma inumana.

Como responder e não reagir a este estado de alerta? Como responder a um choque de cultura, uma crença ameaçada ou ao inconcebível?

Como sermos integralmente responsáveis pelas respostas que damos?

Não creio que essa seja uma resposta para um indivíduo. Não conseguimos responder bem ao que não conseguimos ver e quando estamos em estado de alerta.

Se aceitamos que as vezes estamos assim e que aí não damos conta, o que podemos fazer quando não damos conta?

Imagino que podemos pedir ajuda. Pedir ajuda para aqueles que tem nos acompanhado nesta vida, família, colegas…

Esse trabalho não é individual, é um trabalho relacional, um trabalho para processarmos em coletivo, em grupo ou com uma comunidade.

Quanto mais diversa a comunidade e quanto mais se explicita essa diversidade, menos transparente o mundo e maior nossa capacidade de resposta. Quanto maior nossa capacidade de resposta, mais íntegro somos como indivíduos, como coletivo e como seres humanos.

Reconhecer o medo do diferente é o primeiro passo para, com ajuda de outros, responder de forma corajosa e íntegra ao complexo mundo em que vivemos.

  1. Para ver essa história muito bem contada vale a pena conhecer A Gigantesca Barba do Mal.