from monpetitresor.blogspot

Características de Summerhill

by Augusto Cuginotti


A repercussão do que vem fazendo Summerhill há mais de 90 anos ainda causa impacto nos educadores brasileiros. Mesmo depois de teorias pedagógicas já terem nascido e morrido, mesmo depois de infinitos debates entre conservadores e progressistas, o que se faz por aqui ainda inspira as mais diversas emoções aos que pensam em educação.

Coletei as características mais comentadas pelos Brasileiros com quem conversei sobre a escola. Algumas são alvos de adoração por uns, algumas de forte crítica por outros mas, como dizem por aqui: “você pode adorar a idéia ou odiá-la, […] mas uma coisa é certa, você nunca verá educação e infância da mesma forma novamente¹”.

Educação Democrática

O fato de os alunos participarem ativamente da comunidade escolar e da tomada de decisões é uma das coisas mais lembradas da escola. Essa forma de participação, embora ainda diferente da maioria das escolas, já conquistou espaço em vários países e tem diversos representantes, inclusive no Brasil².

A democracia na escola é direta para a maioria dos assuntos e eventualmente representativa quando são necessários comitês de trabalho para alguma coisa específica. O processo de voto pela maioria se mostra, neste contexto, muito superior à busca de consenso. Como um tema, mesmo depois de decidido, pode ser levantado novamente em um assembleia 3 dias depois, o voto pela maioria simplifica, agiliza e não compromete questões importantes que são bastante discutidas antes de abertas ao voto.

Com um olhar histórico, o processo de decisão da assembleia é impressionante por si só. Trata-se da democracia de crianças mais antiga do mundo e mais antiga que muitos estados democráticos atuais. Junto com a assembleia, processos de participação incluem um grupo de alunos atuando como ombudsman e os diversos comitês.

Freedom, not License

Summerhill também é uma escola livre, um lugar onde as crianças são livres para escolher se vão nas aulas e têm o direito de, se quiserem, brincar o dia inteiro.

Ser livre não é poder fazer tudo o que se quer fazer. Esse entendimento faz de Summerhill uma escola que se auto-regula usando uma média de 200 leis criadas pela própria comunidade, a maioria proposta por alunos. Não se trata de ter ou não ter regras, mas na possibilidade de criá-las, abandoná-las e a liberdade de trazer um assunto à pauta quantas vezes for necessário.

Os alunos de Summerhill têm garantido a sua liberdade individual de escolher, desde que esta liberdade não implique restringir a liberdade de outros. Ex-alunos são reconhecidos por serem auto-confiantes e não terem medo da autoridade dos adultos, tomarem suas decisões e refletirem para propor decisões para um coletivo. Isso somado a saber a importância de ter regras para uma comunidade poder funcionar bem.

Colégio Interno

Esse talvez seja o maior choque para os brasileiros. Para muitas gerações, colégio interno é sinônimo de castigo ou de maltrato- “Se não se comportar, mando para um colégio interno!” diz a mãe naqueles momentos de estresse ou, “Imagina que vou mandar o meu filho para um internato” diz o pai olhando para o filho vulnerável. Hoje soma-se ao sentimento de castigo o progressivismo: prega-se que a participação dos pais e da sociedade são essenciais para o desenvolvimento da criança³.

Ainda assim, se você perguntar por aqui, nenhuma criança trocaria estar aqui por nada. Muitas delas tiveram experiências em outras escolas ou de serem ensinadas em casa antes de vir para cá e prezam a sua liberdade e o seu espaço ainda mais.

E o relacionamento com os pais? Continua ótimo – ficam com a família 4 meses por ano além das visitas em alguns fim de semana. Uma mãe que mandou seus 6 filhos para Summerhill explica aos seus conterrâneos indignados: “quando eles estão em casa posso ficar 100% com eles”.

Alguns poucos chegam e não se adaptam a morarem longe dos pais. Arrisco dizer que na maioria destes casos a má adaptação é dos pais e não da criança. Tanto que filhos de ex-alunos chegam aqui e se sentem em casa. A escola tendo 90 anos, temos até netos de ex-alunos.

Bala de Prata

A expressão bala de prata foi adotada como uma metáfora para designar uma solução simples para um problema complexo com grande eficiência⁴.

Em todos os tópicos de fascínio e objeção acima, uma coisa é certa, existe uma procura geral para encontrar as características de um sistema ideal, de uma estrutura e princípios que sejam universais e que mudem a educação para sempre. A decepção é certa – não existe bala de prata para esta questão e insistir em procurá-la parece ser caminho para desistir de contribuir.

Summerhill desde 1921 é ainda uma contribuição e uma inspiração para a geração de formas plurais de educação. Por sorte não é a única e também não proclama ter um formato que sirva para todos, mas que certamente serve para a grande maioria dos que decidem vir para cá. Gostando das características acima ou não, Summerhilll funciona assim, e funciona.

Vida em Comunidade

Acho que a maior contribuição de Summerhill é a possibilidade de as crianças estarem em uma comunidade que tem um mecanismo de participação claro e inclusivo. Outras características me parecem mais circunstanciais e a serviço do funcionamento desta comunidade que tam como valor primeiro o respeito à liberdade individual das crianças.

Além da democracia, outros formatos de decisão podem e devem aparecer, gerando escolas que funcionem com outros mecanismos. A própria escolarização em si está em cheque⁵ e os espaços de aprender são mais plurais. Muito se tem a ganhar com essa diversidade, desde que os espaços diversos contenham diversas vozes.

Minhas críticas ao ensino em casa do jeito que vem sendo inserido no Brasil está baseada não na falta de socialização da criança, mas de ela estar exposta a uma diversidade de vozes e interações que não apenas a dos pais.

Existem outros processos de aprendizagem fora da escola que variam de homeschooling a unschooling radical em que a criança tem espaços de interação relacionais que vão além do círculo familiar. Procure e surpreenda-se.

Livro com Entrevista com Ex-Alunos de Summerhill

After Summerhill

Recomendo a leitura deste livro. Por enquanto só está em inglês. Nele constam entrevistas com ex-alunos da escola e há um bom balanço de depoimentos contando tanto os impactos positivos quando os negativos na vida das pessoas que estudaram aqui.

Leia Mais

  • Leia o livro em português co-escrito pela filha do fundador da escola – Summerhill e A.S.Neill
  • ¹ Veja a citação completa no site de Summerhill (em inglês).
  • ² Um estudo que conta experiências de escolas democráticas em português pode ser visto no livro República de Crianças.
  • ³ São diversos os artigos e matérias que falam sobre a importância da participação dos pais na escola. Veja o que aparece no Google.
  • ⁴ A Wikipedia que me explicou a expressão bala de prata.
  • ⁵ Veja conversas sobre Desescolarização e Aprender sem Escola. Leia o famoso Desescolarizando a Sociedade[pdf] de Ivan Illich.