Contendo a Ansiedade nas Organizações e Grupos

by Augusto Cuginotti

Uma das disfunções comuns em organizações e grupos surge quando pessoas tem que enfrentar situações ou tarefas desafiadoras e, consciente ou inconscientemente, tem que lidar com o alto grau de ansiedade que isso provoca.

Estamos vivendo em um momento de mudança e adaptação contínua que tem tirado as pessoas de sua zona de conforto: não se sabe mais se estamos trabalhando em casa ou morando no trabalho, não se sabe como a relação com a família, os amigos e colegas tem sido constantemente impactada.

Isso e um tanto de adaptação mais. Será que o ser humano está preparado para todas as inconstâncias que vive hoje? Se o mundo já era volátil, ambíguo e incerto, agora então estamos no modo VUCA-191, um passo a mais fora das certezas e seguranças que serviam para nos acalmar, das nossas projeções para o futuro que pareciam garantidas, mesmo que em algumas áreas da vida.

Os coletivos, grupos e organizações acompanham as pessoas nessas incertezas

 

Nesta realidade as organizações estão entrando em contato com algo que tem a cara do que Isabel Menzies Lyth descreveu na década de 60 quando estudava o comportamento dos enfermeiros em hospitais britânicos.

Isabel reconheceu que a tarefa dos enfermeiros era de grande peso emocional. Como é de se imaginar, a tarefa de cuidar de pessoas vem com uma outra, menos técnica e talvez mais complexa: manter um balanço que de um lado pede empatia e proximidade e de outro requer o desapego e a objetividade necessária à profissão. Cuidar bem do outro mas cuidar de si mesmo e do sistema coletivo para poder seguir a serviço.

Na observação feita por ela existiam estruturas e processos para ajudar neste balanço, mas eles não davam conta dos aspectos emocionais e das ansiedades geradas nos próprios enfermeiros quando o contexto específico não combinava com a norma.

Em um caso citado, por exemplo, fazia parte de um checklist obrigatório limpar o paciente em um certo horário da manhã, mas a enfermeira estava conflitada porque tratava-se de um paciente que finalmente tinha conseguido dormir depois de uma noite difícil e, para cumprir o checklist, teria que acordá-lo. O que significaria ser uma boa enfermeira neste cenário?

Isabel, que estudava psicologia experimental do indivíduo e também as dinâmicas do mundo social, descobriu que tanto as pessoas como as estruturas organizacionais não estavam preparadas para lidar com a intensidade da ansiedade instalada no sistema.

O que eu imaginaria como resultado era, por um lado, burnout. As pessoas com um nível de estresse muito elevado, com dificuldade de concentrar nas tarefas e com tendência a ter menor flexibilidade social quando em conflito.

Por outro lado uma simplificação e objetivação da situação, cumprindo checklists e procedimentos às cegas independente do contexto.

Impacto na Tomada de Decisão

 

Tomar decisões é escolher caminhos e portanto arriscar-se. O que Isabel encontrou em sua observação é que era exatamente a tomada de decisão que sofria em sistemas com alta ansiedade constante. Arriscar em ambiente complexo não parecia ser uma boa ideia.

A descoberta mais marcante era a de que o sistema todo se acomodou para diminuir ao máximo a necessidade de tomar decisões, ou seja, foram criadas estratégias, pessoais e coletivas, para não reconhecer ou postergar a tomada de decisões.

Por um lado, no caso estudado por Isabel, o centro de enfermagem criou instruções precisas de conduta que aliviavam o peso da decisão contextual. Quem nunca ouviu o atendente ao telefone: “O sistema não permite…”?

Quando o tomar decisões era inevitável, fazia-se o máximo para despersonalizar – e portanto desresponsabilizar – o tomador de decisão. Uma forma era a de delegar a decisão para os níveis hierárquicos superiores em uma narrativa de checagem e rechecagem que fazia com que a velocidade de resposta fosse muito mais lenta e a carga de trabalho da gestão média muito maior.

Nesta última estratégia, ela escreve: “pegar a responsabilidade pode gerar satisfação e recompensa mas sempre envolve algum conflito”. E em um ambiente com alta ansiedade, conflito pode ser um perigo à autopreservação de quem toma e talvez da integridade do próprio grupo.

Mudança, assim como tomada de decisão, aumenta o estresse já que implica deixar de lado um presente familiar por um futuro relativamente desconhecido. – Isabel Menzies Lyth

3 Considerações Simples para Conter Ansiedade na Organização

 

  1. Nada que é complexo pode ser trabalhado com considerações simples;
  2. Seguir considerações simples é o ser humano querendo controlar ansiedade, seja a sua ou a do sistema;
  3. Lembre-se sempre da consideração número 1.

O fato de não existir um processo pré-mapeado para conter ansiedade e seus desdobramentos não quer dizer que não há nada que se possa fazer. Isabel acreditava que era possível ter uma ideia de direção a caminhar e que as soluções poderiam aparecer através de movimentações concretas no sistema ao invés de abstrações sobre ele.

Bem antes de falarmos de modelos safe-to-failpara determinar caminhos em processos complexos, Isabel trazia um pensamento muito semelhante:

Essa abordagem, através da construção de modelos e sua progressiva modificação seguida da disseminação de modelos de sucesso provou-se exitoso em construir e reconstruir outros tipos de organização social. – Isabel Menzies Lyth

Como a sua organização está lidando com a complexidade interna e imposta a ela pelo momento atual? Como está o nível de ansiedade?

Você tem uma ideia de direção a caminhar? Que modelos, processos, experimentos podem auxiliar na reconstrução de sua organização?Leia mais

Menzies Lyth, Isabel – Containing anxiety in institutions – Selected essays, volume 1. Free Association Books Ltd.

  1. VUCA é um acrônimo em inglês para «Volatile, Uncertain, Complex and Ambiguous», traduzido livremente por Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo. VUCA-19 é uma construção infame deste que vos escreve juntando o acrônimo com COVID-19. ↩︎

Foto por Christopher Ott em Unsplash