
Desintermediação para entender Cultura Organizacional
Intermediar significa servir de comunicador a duas partes que não se comunicam diretamente.
Entre as inquietudes dos seres humanos, algumas nos pedem intermediários por não sermos capazes de traduzir o que nos estão dizendo. O entendimento de sintomas de uma doença que nos acomete deve ser interpretado por um especialista para sabermos o que melhor fazer, por exemplo. Ou a leitura de um contrato jurídico, se você não for um advogado.
Como eu não falo linguagem médica ou jurídica, preciso de intermediários que interpretam e traduzem informação em linguagem comunicativa a meu alcance.
Como já exploramos antes, não se deve recorrer a especialistas para algumas questões, como é o caso de entender cultura organizacional. Neste caso, nosso objetivo será retirar ao máximo o intermediador, a camada interpretativa extra que separa quem vive a história de quem a interpreta. Vamos explorar o porquê.
Por que retirar o intermediador?
Não existe ninguém especialista em uma cultura, assim como não existe especialista em uma dada cultura organizacional. Não se pode esperar que um elemento externo faça mapas, estratégias e planejamentos que possam abranger a complexidade de uma cultura organizacional.
Parte da cultura sabemos por vivê-la e através das situações vividas. Essas situações nem sempre são interpretadas e conscientes – simplesmente as assumimos porque aprendemos, e sempre foi assim. E como um peixe que ao ter estado sempre envolto por água não se dá conta de que a água existe. Assim somos com cultura: nos disseram algumas coisas que tomamos como verdade e não as escolhas que realmente são.
Para entender cultura organizacional devemos juntar as situações vividas e decisões tomadas pelos membros da cultura para que elas sejam interpretadas por estes próprios membros.
Desintermediação é o ato de descobrir, com quem vive as histórias, do que elas realmente tratam, sem o olhar interpretativo de um especialista como filtro.
A intermediação da informação para o tomador de decisão
Uma forma de intermediação muito comum nas empresas são os reports que acontecem por meio dos superiores imediatos, até chegarem ao conhecimento da alta gestão. É da natureza dos sistemas hierárquicos que os dados sejam sintetizados à medida que a interpretação sobe na escala da organização. Para muitas situações é fundamental que seja assim, visto que as organizações seriam inadministráveis se não houvesse alguma seleção das informações que sobem para a alta gestão.
Para situações em que a informação tem alta dependência do contexto e o ambiente é volátil e ambíguo, perde-se muito nesta síntese.
O que se perde nas sínteses realizadas ao longo da hierarquia são justamente as interpretações individuais e coletivas que geraram o fato que está sendo narrado. Isso equivale a dizer que o sentido original do que aconteceu está fora de contexto, distorcido.
Nenhum grande problema se estamos diante de um problema objetivo que precisa ser corrigido. Um enorme problema se a investigação é justamente sobre o que leva as pessoas a tomarem as decisões que tomam, se comportarem como se comportam, agirem como agem. Em outras palavras, um enorme problema quando se trata de entender cultura.
As interpretações próprias que cada superior imediato coloca sobre as interpretações dos demais, funcionam como camadas colocadas sobre a informação inicial. Quanto maior o número de camadas de interpretação, mais difícil é perceber os sinais fracos, aquilo que está fora do padrão. Os sinais de mudança ficam perdidos.
Quando as conversas são desintermediadas, com os atores envolvidos no diálogo, dados puros e tomadores de decisão podem ficar mais próximos.
Intermediação da cultura por abstrações
Na maioria das metodologias propostas no mercado tenta-se coletar informações de cultura por generalizações das experiências de quem as vive. Isso esbarra em dois problemas graves:
- Nem sempre quem vive a cultura sabe, sem interlocução e exploração conjunta, como as decisões são tomadas e em que estão baseadas;
- Abstrair uma história para uma palavra ou frase retira todo o contexto e não comunica o processo de escolha e decisão que é o mais informativo da cultura (como são feitas as coisas aqui?).
Nestes mapeamentos de dados a interpretação fica a cargo da figura do especialista, responsável por abstrair os dados, transformando-os em conceitos amplos. Esse dado tem utilidade limitada já que as ações serão geradas em cima de premissas que podem jogar contra o caminho de transformação cultural que se deseja.
Em nossa abordagem, optamos por deixar de lado as abstrações e trabalhar com as histórias reais. As organizações costumam ser as histórias que se conta.
É fundamental um olhar para aquilo que é dito pelo coletivo, como forma de descobrir o que nos define, por meio das conversas que fazemos.
Quando a interpretação é construída com a comunicação das pessoas envolvidas nos diversos âmbitos da cultura, cria-se um sentido mais completo e tornam-se possíveis estratégias mais aderentes para o que se busca mudar e contar no futuro.
Um exemplo concreto de entender cultura coletivamente
Fomos chamados para um trabalho em uma rede de escolas. O caminho tradicional do mercado seria fazer uma pesquisa de clima onde as pessoas contam suas histórias e alguém externo à organização faz a interpretação.
Ao invés de uma consultoria especializada na interpretação de pesquisa de clima, chamaram a CoCriar para construir uma conversa entre as pessoas. Para que as donas das histórias e avaliações interpretassem seus relatos e opiniões.
Montamos painéis gráficos que sintetizavam o resultado de uma pesquisa de clima já realizada previamente e então convidamos as pessoas da escola a interpretarem. Um processo coletivo de interpretação e cocriação de possíveis intervenções considerando diversos atores trouxe possibilidades de ação mais ricas do que seriam geradas por um relatório na sala de recursos humanos.
Tomadores de decisão e representantes de toda a equipe estavam em um mesmo lugar. Sentados juntos, ouvindo as interpretações uns dos outros. A tomada de decisão pôde ser feita sem o bias da consultoria. O caminho de intervenção foi feito por todos aqueles que seriam responsáveis por sua implementação.
Poder de criar um sentido e caminhos de ação coletivos
A proposta da desintermediação é conceder às pessoas o poder de construírem suas próprias interpretações e criar caminhos que elas mesmas experimentarão para a mudança.
Para construir o sentido coletivo em uma organização é preciso olhar a maneira como as coisas acontecem, a partir da lente dos indivíduos e, então, coletivamente. Ouvir pela voz de quem conta a história e, na sequência, promover uma reinterpretação.
Passada a fase de captar e entender cultura, na continuação do processo criam-se novas possibilidades de narrativas e caminhos de decisão-ação. Direcionadores de rumos são criados ou alterados. Torna-se possível prestar atenção no que precisa mudar nas narrativas.
Nada se decreta, já que não é possível ter um mapa perfeito. Mas criam-se nortes. A partir deles é possível fazer experimentos, testar e implementar o que funciona.