Luiza Padoa and Juliherme Piffer

Manifestando uma Revolução de Segunda Ordem

by Augusto Cuginotti

O protesto por si só não pode garantir uma visão de longo prazo para um país, de modo que o caminhar em linha reta das manifestações tem que ser re-configuradas em círculos de diálogo e novos padrões de democracia participativa. Isto é o que está acontecendo no Brasil.

Este texto foi produzido originalmente em inglês para OpenDemocracy – Transformation e sua versão original se encontra neste link. Obrigado Darlene Coelho pela tradução. Arte acima por Luiza Padoa e Juliherme Piffer


 

Como a energia de manifestações de rua pode ser utilizada para a transformação de longo prazo da sociedade? Como uma revolução pode gerar propostas concretas de mudança sem se reduzir a um discurso político?

Estas são questões que emergem de cada protesto, assim que os cartazes e cacetetes são baixados.. Respondê-las requer o que eu chamo de uma “revolução de segunda ordem.”

A partir de junho de 2013, muitas cidades brasileiras explodiram em uma onda de protestos de rua. Eles iniciaram por um aumento de sete por cento nas tarifas de ônibus, mas se transformaram em uma declaração mais geral de insatisfação pública com a situação do país: “Basta! “, o público parecia estar dizendo.

Os políticos se esforçaram para compreender e chegar a definições sobre o que estava acontecendo, e tentaram em vão identificar representantes dos manifestantes com quem pudessem falar. Após de milhões de pessoas permanecerem nas ruas por semanas, o aumento da tarifa de ônibus foi revogado, mas muitos brasileiros continuaram suas ações à medida que outros temas eram desdobrados e mais exigências eram feitas.

Muitos comentaristas e ativistas escreveram sobre estas experiências como um ponto de inflexão em potencial no Brasil, e tentaram explicá-las em termos do contexto econômico do país, dos gastos extravagantes para a próxima Copa do Mundo, e do poder das redes sociais para mobilizar manifestações de grandes dimensões.

As fotos dos protestos mostram milhões de pessoas nas ruas, demarcando um momento potencialmente histórico para o país. O que é interessante, para mim, é que estas imagens mostram um padrão comum de protestos de rua no qual a maioria das pessoas está olhando na mesma direção – marchando em linha reta, quase como uma divisão militar em ação. Mas as sociedades como um todo não funcionam dessa maneira (principalmente as democráticas), porque as pessoas não concordam com os detalhes de como a ordem estabelecida deve mudar após os protestos.

O protesto por si só não pode garantir uma visão de longo prazo para um país, de modo que o caminhar em linha reta das manifestações tem que ser re-configuradas em círculos de diálogo e novos padrões de democracia participativa. Isto é o que está acontecendo no Brasil.

Os brasileiros vão continuar a mostrar o seu descontentamento sobre um país que é conhecido por sua corrupção, e pelas enormes lacunas que existem entre ricos e pobres. Mas ao lado dos protestos públicos visíveis algo mais sutil está acontecendo: conversas em espaços públicos sobre a futura direção da sociedade.

Tais conversas representam uma revolução de segunda ordem. Elas têm o potencial para transformar o modo pelo qual a mudança social é construída, permitindo que novas histórias emerjam. E elas convidam os cidadãos a se apropriarem dos espaços públicos, a fim de explorar versões divergentes sobre a trajetória de seu país e formar novas compreensões coletivas.

By @David_EHG
Evento 1000 mesas em Israel

“Círculos de diálogo” como estes têm ocorrido em muitos outros lugares. Em Israel, por exemplo, mais de trinta cidades se reuniram ao redor de 1.000 mesas em 2011 para explorar as questões políticas e sociais que eles enfrentam. O principal espaço de diálogo (uma praça em Tel Aviv) foi transformado em um enorme salão com espaço para 5.000 pessoas. Da mesma forma, durante o tumulto na Grécia, que teve lugar entre 2010 e 2012, o público ocupou a Praça Syntagma, no centro de Atenas. Embora a ocupação não tenha produzido muito diretamente pelo caminho do diálogo, ela abriu caminho para surgirem outros espaços e conversas.

No caso do Brasil, conversas públicas deste tipo foram organizados em quatro grandes cidades, assim como em muitas localidades menores em todo o país. Em Brasília – uma dos primeiras a acolher esses diálogos – a iniciativa surgiu a partir de um grupo de pessoas que queriam explorar o que seria necessário para criar uma ponte entre a situação atual e o futuro que desejavam.

Percebi que seria uma conversa superficial se não tecessemos nossas idéias juntos, disse Sérgio

Em uma recente entrevista comigo, Sérgio Monforte, que estava envolvido em um desses círculos, explicou como o processo começou: “Nós estávamos sentados em plenário em um espaço público próximo ao Congresso Nacional”, disse ele, “e percebi que seria uma conversa superficial se não tecessemos nossas idéias juntos. “Monforte e outros propuseram a criação de pequenos grupos para explorar questões sem temas pré-definidos, e para suscitar idéias de ação. “Nem todos concordaram”, continuou ele, “por isso no início fizemos um grupo paralelo com o plenário.” As idéias foram colhidas para descrever a transição entre “o Brasil de hoje e o Brasil que queremos no futuro”, incluindo “a morte de petróleo “e construção de “redes de comunidades sustentáveis”.

Essas discussões iniciais também produziram uma série de pequenas ações conjuntas, como um vídeo para explicar como as leis são criadas e alteradas no Brasil; um exercício para ajudar as pessoas a conversarem entendendo os pontos de vista de cada um, e propostas sobre como outros grupos poderiam ser apoiados para sediar conversas semelhantes. Como resultado destas propostas, foi criado um guia de metodologia com base na experiência de Tel Aviv. Ele descreve o processo de conversa em grupo chamado World Café, uma tecnologia social que permite conversas acontecerem em uma grande escala, sem suprimir a diversidade de vozes presentes. No final do processo, os resultados da conversa foram apresentados de forma visual.

Por definição, [espaços públicos] é onde um legislador deveria estar – disse Ricardo Young

Em São Paulo, os diálogos ocorreram ao longo da Avenida Paulista, o centro financeiro do país, mas também em um espaço público que há muito havia sido esquecido – dentro assembléia legislativa da cidade. Ricardo Young, vereador da cidade de São Paulo, participou dessa conversa e seus resultados auxiliaram seu trabalho: “diálogos públicos são um instrumento essencial em que o legislador pode expressar suas opiniões e ouvir diferentes pontos de vista sobre a realidade,” ele me disse , “por definição, este é o espaço onde um legislador deveria estar.”

Será que esse processo realmente afetará o futuro do Brasil, uma vez que continue a evoluir? Essa é a pergunta óbvia, e não é possível responder a ela agora. Mas sem algum tipo de discussão pública em larga escala, ela não será respondida de forma democrática.

Václav Havel, escritor, ativista e ex-presidente da República Checa, uma vez observou que “eu realmente vivo em um sistema em que as palavras são capazes de abalar toda a estrutura do governo, onde as palavras podem ser mais poderosas do que dez divisões militares.”

Sem sinais de colapso do regime comunista e pouca esperança no horizonte, Havel e seus amigos se encontravam secretamente para sediar conversas e gerar novas histórias sobre o futuro. Eles se encontravam em cafés subterrâneos e publicavam jornais alternativos . Eles convidavam para o debate e criavam novas idéias e interpretações sobre a política e a economia . Até mesmo os membros do regime comunista achavam uma forma de se juntar a essas conversas . Essas pequenas ações não abalaram o sistema maior diretamente, mas ao longo do tempo uma compreensão coletiva diferente sobre a sociedade checa começou a surgir.

O Brasil de hoje é muito diferente da Tchecoslováquia de Václav Havel sob o regime comunista, mas isso não dilui a importância dos tipos de conversas a que ele estava se referindo. Muito pelo contrário, já que essas conversas deveriam ser muito mais poderosas nos espaços públicos de um Estado democrático. Com o tempo, elas podem até abrir uma oportunidade para transformar a própria democracia, desde as eleições representativas a cada quatro anos até um processo contínuo de diálogo público participativo.

Os protestos de rua não vão e nem devem desaparecer, mas talvez as manifestações do futuro incluam a caminhada de milhões, seguida por milhares de círculos de diálogos. Talvez a definição de novas leis seja precedida de conversas abertas que ocorram em um parque público perto de você, e anfitriadas por quem esteja interessado. Imagine o que poderia acontecer se os representantes políticos fossem se juntar a essas conversas para se encontrarem com seus eleitores face a face. A responsabilidade política não mais seria delegada a poucos. Em vez disso, o público poderia estar mais próximo e se apropriar do processo político.

Sociedades complexas exigem altos níveis de participação pública, e não apenas nas ruas, mas nos espaços onde as idéias e opiniões nascem e são moldadas. Estes espaços poderiam tornar-se laboratórios de engajamento público em um nível totalmente novo, abrindo as portas para uma revolução na democracia.